Esta Solenidade não é um convite a
decifrar a mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três
pessoas”; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é
família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar
nesse mistério de amor.
A primeira leitura sugere-nos a contemplação do Deus
criador. A sua bondade e o seu amor estão inscritos e manifestam-se aos
homens na beleza e na harmonia das obras criadas (Jesus Cristo é
“sabedoria” de Deus e o grande revelador do amor do Pai).
A segunda leitura convida-nos a contemplar o Deus que nos ama e que, por isso, nos “justifica”, de forma gratuita e incondicional. É através do Filho que os dons de Deus/Pai se derramam sobre nós e nos oferecem a vida em plenitude.
O Evangelho convoca-nos, outra vez, para
contemplar o amor do Pai, que se manifesta na doação e na entrega
do Filho e que continua a acompanhar a nossa caminhada histórica
através do Espírito. A meta final desta “história de amor” é a
nossa inserção plena na comunhão com o Deus/amor, com o Deus/família,
com o Deus/comunidade.
EVANGELHO – Jo 16,12-15
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade,
Ele vos guiará para a verdade plena;
porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido
e vos anunciará o que está para vir. Ele Me glorificará,
porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará.
Tudo o que o Pai tem é meu.
Por isso vos disse
que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará».
AMBIENTE
Estamos no contexto da última ceia e do discurso de despedida que antecede a “hora” de Jesus.
Depois de constituir a comunidade do amor e do
serviço (cf. Jo 13,1-17) e de apresentar o mandamento fundamental
que deve dar corpo à vida dessa comunidade (cf. Jo 15,9-17), Jesus vai
definir a missão da comunidade no mundo: testemunhar acerca de Jesus,
com a ajuda do Espírito (cf. Jo 15,26-27).
Jesus avisa, no entanto, que o caminho do testemunho deparará com a oposição decidida
da religião estabelecida e dos poderes de morte que dominam o mundo
(cf. Jo 16,1-4a); mas os discípulos contarão com o Espírito: Ele
ajudá-los-á e dar-lhes-á segurança no meio da perseguição (cf. Jo
16,8-11). De resto, a comunidade em marcha pela história
encontrar-se-á muitas vezes diante de circunstâncias históricas novas,
diante das quais terá de tomar decisões práticas: também aí
se verá a presença do Espírito, que ajudará a responder aos novos
desafios e a interpretar as circunstâncias à luz da mensagem de Jesus
(cf. Jo 16,12-15).
MENSAGEM
O tema fundamental desta leitura tem, portanto, a ver com a ajuda do Espírito aos discípulos em caminhada pelo mundo.
Jesus começa por dizer aos discípulos que há muitas
outras coisas que eles não podem compreender de momento (vers. 12).
Será o “Espírito da verdade” que guiará os discípulos para a
verdade, que comunicará tudo o que ouvir a Jesus e que
interpretará o que está para vir (vers. 13). Isto significa que Jesus
não revelou tudo o que havia para revelar ou que a sua proposta de
salvação/libertação ficou incompleta?
De forma nenhuma. As palavras de Jesus acerca da acção do Espírito
referem-se ao tempo da existência cristã no mundo, ao tempo que vai
desde a morte de Jesus até à “parusia”. Como será possível aos
discípulos, no tempo da Igreja, continuar a captar, na fé, a
Palavra de Jesus e a guiar a vida por ela? A resposta de Jesus é:
“pelo Espírito da verdade, que fará com que a minha proposta continue a
ecoar todos os dias na vida da comunidade e no coração de cada
crente; além disso, o Espírito ensinar-vos-á a entender a nova ordem que
se segue à cruz e à ressurreição e a discernir, a partir das
circunstâncias concretas diante das quais a vida vos vai colocar, como
proceder para continuar fiel às minhas propostas”. O Espírito não
apresentará uma doutrina nova, mas fará com que a Palavra de Jesus seja
sempre a referência da comunidade em caminhada pelo mundo e que essa
comunidade saiba aplicar a cada circunstância nova que a vida
apresentar, a proposta de Jesus.
Aonde irá o Espírito buscar essa verdade que vai transmitir continuamente aos discípulos? A resposta é: ao próprio Jesus (“receberá do que é meu e vo-lo anunciará” – vers.
14). Assim, Jesus continuará em comunhão, em sintonia com os
discípulos, comunicando-lhes a sua vida e o seu amor. Tal é a função do
Espírito: realizar a comunhão entre Jesus e os discípulos em marcha pela
história.
A última expressão deste texto (vers. 15) sublinha a comunhão
existente entre o Pai e o Filho. Essa comunhão atesta a unidade entre o
plano salvador do Pai, proposto nas palavras de Jesus e tornado
realidade na vida da Igreja, por acção do Espírito.
ATUALIZAÇÃO
Considerar os seguintes desenvolvimentos:
♦ O Espírito aparece, aqui, como presença
divina na caminhada da comunidade cristã, como essa realidade que
potencia a fidelidade dinâmica dos crentes às propostas que o Pai,
através de Jesus, fez aos homens. A Igreja de que fazemos parte tem
sabido estar atenta, na sua caminhada histórica, às interpelações do
Espírito? Ela tem procurado, com a ajuda do Espírito, captar a Palavra
eterna de Jesus e deixar-se guiar por ela? Tem sabido, com a ajuda do
Espírito, continuar em comunhão com Jesus? Tem-se esforçado, com
a ajuda do Espírito, por responder às interpelações da história e
por actualizar, face aos novos desafios que o mundo lhe coloca, a
proposta de Jesus?
♦ Sobretudo, somos convidados a contemplar o
mistério de um Deus que é amor e que, através do plano de
salvação/libertação do Pai, tornado realidade viva e humana em
Jesus, e continuado pelo Espírito presente na caminhada dos crentes, nos
conduz para a vida plena do amor e da felicidade total – a vida do
Homem Novo, a vida da comunhão e do amor em plenitude.
♦ A celebração da Solenidade da Trindade não
pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de
“um em três”. Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é
amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus,
como há três pessoas numa família – pai, mãe e filho – é afirmar três
deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o
Espírito são três formas de apresentar o mesmo Deus, como três
fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é,
também, negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus
família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem
imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-se trindade de
pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a
nossa linguagem finita e humana não consegue “dizer” o mistério de
Deus.
♦ As nossas comunidades cristãs são,
realmente, a expressão desse Deus que é amor e que é comunidade –
onde a unidade significa amor verdadeiro, que respeita a
identidade e a especificidade do outro, numa experiência verdadeira de
amor, de partilha, de família, de comunidade?
(Fonte: PORTAL DOS DEHONIANOS DE PORTUGAL www.dehonianos.org - com adaptações)
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